As melhores experiências estão carregadas de emoção, não de funcionalidades extras ou de maior relação custo-benefício
Uma aluna do programa de educação executiva em que dou aulas contou a história de sua viagem com a família ao Walt Disney World, em Orlando, Estados Unidos. Ela perdeu a bolsa com os ingressos, documentos e dinheiro logo no primeiro dia de passeio num dos parques. As férias pareciam ter terminado antes mesmo de começar… Mas, ao pedir ajuda a um funcionário da Disney, ela recebeu vales-refeição e ingressos para o parque no dia seguinte. Enquanto continuava o passeio com a família, aliviada, funcionários da Disney localizaram a bolsa e a devolveram. A aluna terminou a história com um elogio: “Que empresa maravilhosa!”.
Já ouvi centenas de casos assim em minhas aulas. Peço aos alunos que os contem para desenvolverem princípios que possam ser aplicados ao design de experiência do cliente CX, na sigla em inglês –, que visa garantir que os consumidores tenham pontos de contato positivos com as empresas ao comprar e consumir seus produtos e serviços. As pesquisas mostram que as experiências memoráveis e a subsequente propaganda boca a boca positiva influenciam as decisões dos clientes tanto quanto ou mais que o preço e a funcionalidade.
Em sala de aula, sempre que peço aos alunos que me contem suas experiências memoráveis como clientes, nenhum deles usa termos de negócios como “valor funcional” ou “análise de custo”. Todos, porém, usam frases como: “Eu me senti especial”, “Confiaram em mim”, “Mostraram empatia”, “Foram supergentis”, “Resolveram o problema”.
Ou seja, não basta seguir a abordagem racional ensinada na maioria das escolas de administração e usada em quase todas as empresas – oferecer aos clientes mais valor por seu dinheiro, serviços mais eficientes e recursos adicionais. Criar uma boa CX exige também certa mágica emocional. As pessoas gostam de se considerar lógicas, mas na verdade são as emoções que inspiram suas decisões.
Pesquisas sobre cognição e comportamento humano apoiam a ideia de que as experiências dos clientes devem conter não só racionalidade, mas também emoção. Segundo o neurologista Donald Calne, “a emoção leva à ação; a razão leva a conclusões”. E, de acordo com o psicólogo Richard Lazarus, qualquer evento – de vivenciar um terremoto a comprar sapatos – desencadeia um processo de avaliação cognitiva e uma reação emocional antes de tomarmos uma decisão sobre o que fazer. Esses estudos comportamentais são confirmados por pesquisas quantitativas. A Forrester Research observou que a fidelidade do cliente é motivada mais por fatores emocionais do que racionais. O CEB Marketing Leadership Council descobriu, juntamente com o Google, que isso também pode ser verdade nas decisões de B2B. As duas instituições estudaram 3 mil compradores B2B de 36 marcas e entrevistaram pessoas de 50 empresas de marketing B2B, e constataram que recorrer ao valor pessoal (apelo às emoções) tem o dobro do impacto que o recurso ao valor comercial (apelo à lógica e à razão) para resultar em decisões favoráveis.
O retorno pode ser enorme. Um relatório do Gallup mostra que as empresas que otimizam as conexões emocionais superam as rivais em 26% na margem bruta e em 85% no aumento das vendas. Elas cultivam clientes emocionalmente comprometidos, que são menos sensíveis ao preço, mais fiéis e três vezes mais propensos a recomendá-las.
Saiba aproveitar os fora da curva
Com esses dados em mãos, todas as empresas estão tentando criar experiências dinâmicas e agradáveis para os clientes, certo? Errado. A maioria se concentra em reduzir queixas, para eliminar a “dor” do cliente nos pontos em que o caminho dele cruza com o da empresa. É uma estratégia míope, que despreza muito do ocorrido na jornada do cliente.
Essa jornada não envolve apenas alguns pontos de contato, conforme o cliente vai reduzindo suas opções até chegar à escolha final. A maior parte dos clientes percorre um caminho no qual leva em conta várias opiniões, em geral por meio das mídias sociais, e interage com outras pessoas, outros produtos e serviços. O trajeto entre visitar o site de uma empresa e realizar uma compra é um processo emocional, cognitivo e motivacional. A mistura dessas forças é que cria sentimentos, memórias e histórias – agradáveis ou não – sobre uma companhia. É essa variação que gera oportunidades para as empresas oferecerem experiências memoráveis. Regras e padronizações rígidas atrapalham, porque é fácil esquecer a mesmice. Veja quadro abaixo. As jornadas emocionais, por sua vez, deixam lembranças indeléveis, fidelizam o cliente e têm efeitos multiplicadores num mundo onde os clientes estão intimamente conectados.
Para as empresas que abraçam a variação, até experiências negativas – como perder a bolsa na Disney – são oportunidades a serem aproveitadas. Se a companhia surpreender e encantar o cliente resolvendo o problema de modo eficiente e inovador, o que fica na memória é algo positivo. O desafio está em como emocionar o cliente em sua jornada.
Converter emoção em CX
As empresas devem abordar a CX como uma jornada holística, entendendo que as pessoas podem se lembrar de emoções geradas ao longo de todo o caminho, não apenas em alguns pontos de contato. Identifiquei cinco modos de fazer isso.
1. Estimule os sentidos. A estimulação sensorial desperta emoções como surpresa, confiança, alegria e até antecipação. Mediante produtos que vão de carros a smartphones, as empresas inteligentes usam os sentidos para gerar experiências emocionais.
Na Ferrari, por exemplo, o design dos automóveis é mais que um exercício de engenharia eficiente. É um processo que utiliza os sentidos do motorista para criar experiências emocionais enriquecedoras. A fabricante italiana usa materiais internos luxuosos, como couro de alta qualidade, ainda que isso acrescente 5-10 quilos ao peso dos veículos, tornando-os alguns segundos mais lentos que os concorrentes.
A história de como a Ferrari se empenhou em encontrar o som certo para o motor V8 do modelo 488 ilustra a atenção que ela dá às emoções. A fabricante sabe que um componente crítico do que os compradores desejam e apreciam num carro é o ronco do motor, associado à potência. Então, usando um simulador de som, os engenheiros e pilotos trabalharam quase dois anos nessa particularidade. Uma das sugestões da equipe foi aumentar o diâmetro do escapamento de 63 milímetros para 70 milímetros.
O investimento de tempo e dinheiro num detalhe desse tipo pode parecer excessivo para outras empresas, mas não para a Ferrari, que valoriza muito as emoções despertadas pela experiência de dirigir. Ela talvez não fabrique os carros mais velozes ou confortáveis do mercado, mas produz a melhor combinação dos dois. Seus veículos estão entre os mais luxuosos do mundo.
Estimular os sentidos não significa criar sobrecarga sensorial, no entanto. A complexidade pode dar lugar à simplicidade. Isso é ilustrado pelo sucesso da startup finlandesa HappyOrNot (HON), especializada em monitorar a satisfação dos consumidores por meio de terminais físicos instalados em lojas de departamentos, aeroportos, farmácias, supermercados etc. Para indicar se tiveram uma boa experiência nos estabelecimentos, os clientes só precisam apertar num totem um dos quatro botões com “carinhas” que indicam “muito feliz”, “feliz”, “pouco feliz” ou “infeliz”. Distribuídos em mais de 100 países, os totens da HON coletam mais de 600 milhões de respostas dos consumidores, uma quantidade maior que a de avaliações postadas nos sites do TripAdvisor ou da Amazon. A clareza visual das “carinhas” e a satisfação tátil de apertar um botão é o gerador primário da extraordinária participação dos clientes.
2. Transforme decepção em prazer. Para valorizar as histórias fora da curva, transforme as experiências negativas em positivas, como fez o gestor neste caso que ouvi:
Após um longo voo, minha família chegou de madrugada, exausta, a um hotel do TajGroup, na Índia. Nossa reserva tinha sumido do sistema. O gerente se desculpou pela inconveniência, nos deu um upgrade e nos conduziu ao quarto. Nem pediu para ver nosso cartão de crédito! Quando acordamos, o problema estava resolvido – e a culpa não tinha sido do hotel; nosso agente de viagem é que havia se enganado.
Quando os funcionários aprendem a sintonizar as emoções do cliente, logo notam mudanças de estado emocional e agem rápido. Ao acelerar a conversão da decepção em prazer, criam um contraste que torna a experiência memorável.
Os mágicos conhecem bem o valor emocional da transformação rápida de frustração e confusão em “final feliz”, por isso desenvolveram técnicas para mudar o estado emocional das pessoas. Um bom mágico deixa a plateia acreditar que descobriu como um truque é feito, depois faz tudo de um jeito que surpreende o público. A decepção das pessoas por não terem descoberto o segredo do truque logo vira encanto, causado pela excelência do mágico. Mais que a perfeição técnica da mágica, é essa transição emocional que conquista a plateia.
3. Planeje surpresas. Uma empresa pode tornar-se “mágica” e conquistar clientes fiéis se conseguir emocioná-los com soluções inesperadas e inovação contínua.
A criação de momentos de surpresa resulta da atenção dada aos mínimos detalhes. Quando o ex-CEO da Sony, Kazuo Hirai, decidiu revitalizar o setor de TVs da empresa, encontrou um problema.
O design dos novos televisores era lindo, mas os consumidores diziam que eles eram feios porque os fios ficavam visíveis. Ao saber disso, Hirai passou a criticar todos os designs seguintes do mesmo modo: “Ainda vejo os fios”. Ele estava ensinando aos designers que os detalhes são importantes e que a Sony nunca dominaria o mercado se ignorasse os sentimentos que seus produtos evocavam.
Três anos depois, a Sony encontrou um jeito de ocultar os fios das TVs. Como Hirai esperava, os consumidores ficaram encantados com a surpresa de não ver mais os fios. Já aposentado, o ex-CEO me disse: “Tudo que a Sony faz deve ter o elemento ‘uau, que incrível!’. Ela não compete mais baseada em especificações técnicas, e sim na experiência emocional dos consumidores”.
Algumas empresas incentivam o desejo de surpreender os clientes. Elas têm até uma verba para experiências memoráveis que os funcionários usam para transformar problemas em oportunidades de encantamento. Os hotéis do Oberoi Group usam essa estratégia e, em 2013, registraram mais de 30 mil casos nos quais os hóspedes tiveram suas dificuldades resolvidas de uma forma que os deixou maravilhados.
4. Conte histórias cativantes. Uma boa narrativa, bem contada e repetida com frequência, também é uma ótima maneira de criar uma conexão emocional entre cliente e empresa, gerando experiências memoráveis.
Pense na A. Lange & Söhne, relojoaria da antiga Alemanha Oriental e em sua história. Em 1990, após a queda do Muro de Berlim, Walter Lange decidiu ressuscitar a empresa fundada por seu bisavô e desativada havia décadas. Focando inovação e produção artesanal, Lange lançou seus primeiros relógios de pulso em 1994, e logo eles ficaram famosos pela excelente qualidade. Feitos à mão, depois de montados pela primeira vez eles são desmontados e remontados. Durante a segunda montagem, após a limpeza de cada peça, são feitos ajustes que aumentam a precisão dos relógios em 1 ou 2 segundos. O resultado é intangível, mas revela o empenho de Lange em criar produtos perfeitos. Poucos clientes percebem a diferença entre um relógio montado uma ou duas vezes, mas essa história é contada e recontada em todo o material de marketing da A. Lange & Söhne, em interações pessoais com os clientes, e, mais importante, é transmitida pelo marketing boca a boca feito pelos próprios clientes.
A técnica do storytelling tem um papel importante no ressurgimento dos relógios mecânicos, que quase se tornaram obsoletos após a invenção dos relógios de quartzo. Um estudo de Ryan Raffaelli, meu colega na Harvard Business School, descobriu que a volta dos relógios mecânicos “envolveu um processo cognitivo de redefinição de significados e valores associados à herança tecnológica”. Para distanciar seu produto da percepção negativa dos relógios de quartzo baratos, alguns fabricantes de relógios mecânicos usam frases como “Não vendo relógios. Vendo sonhos”. Outros comparam o ato de dar corda num relógio a alimentar um ser vivo que “tem alma, coração, é algo que respira”, criando uma conexão empática entre o cliente e o produto.
Esse tipo de storytelling é outra forma de mágica emocional que as empresas podem usar. Antes do ápice de um truque, os mágicos lembram ao público os passos anteriores: “Foi tirada uma carta do baralho, eu me virei de costas, a carta foi colocada de volta…”. A intenção é fazer a plateia se concentrar no que deve ser lembrado, omitindo qualquer inconsistência que atrapalhe o efeito pretendido. Esse reenquadramento molda a memória e o sentimento das pessoas em relação ao truque. Uma boa narrativa faz o mesmo para as empresas, reforçando emoções positivas que, por sua vez, reforçam o relacionamento dos clientes com uma determinada marca.
5. Faça experimentos controlados. Para saber que gatilhos levarão os clientes a agir, não é suficiente indagar “O que funciona?”. A pergunta deve ser: “O que funciona onde, quando e para quem?”. Algumas respostas dão em becos sem saída. Apenas 10-20% das tentativas do Google para melhorar a experiência na web têm resultado positivo. Zombar desses números, contudo, é um erro. Empresas das mais diversas áreas, como tecnologia, serviços financeiros e viagens, sabem que experiências controladas, inclusive as que dão errado, são necessárias para aprender a criar CXs memoráveis.
Cerca de três quartos dos 1,8 mil funcionários da área de produto e tecnologia do site de reservas Booking.com dedicam-se a testes do tipo A/B com os usuários, em tempo real. Nos testes, o grupo de controle A usa o sistema atual, e, para o grupo B, são apresentadas as mudanças – de layout, preços, redação de textos – que visam melhorar a CX. Os clientes são direcionados aleatoriamente para uma das duas experiências, e as métricas resultantes são comparadas. O sistema vencedor se torna o padrão, até que outra modificação o substitua.
O objetivo de certos testes é descobrir táticas que provoquem surpresa e alegria (“Fechei um bom negócio!”), medo (“Vou perder a reserva!”) ou sensação de dever cumprido (“Consegui organizar a viagem.”).
O Booking.com aprendeu que o medo é a emoção que mais estimula os clientes a fazer reserva. Porém o importante é esse medo virar a alegria de ter encontrado hospedagem por um preço bom. As experiências não são perfeitas, mas aproximam a empresa de sua meta: eliminar atritos em viagens.
Dez anos atrás, quando estava ensinando a seu pupilo Kevin Viner o melhor modo de entregar experiências memoráveis, o mágico Jason Randal perguntou a ele, três vezes, em sequência: “O que você faz quando está no palco?”. As respostas foram: “Divirto as pessoas”, “Truques” e “Agora você me deixou confuso…”.
Então, Randal explicou: “Quando estou no palco, meu objetivo é fazer as pessoas se sentirem melhor. A mágica é só um jeito de conseguir isso. Assim, faço apresentações mais brilhantes do que se subisse ao palco só para fazer truques ou ganhar dinheiro”.
Viner, hoje um mágico conhecido no mundo inteiro, disse que essa revelação sobre mudar o estado emocional da audiência transformou o modo como ele se apresenta. Assim como Viner, as empresas que se empenham em mudar como as pessoas se sentem têm mais chances de criar experiências que sempre serão lembradas.